quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Atire a primeira pedra…


Maria Stella de Azevedo Santos
…aquele que não fala da vida alheia.  Esse é um comportamento comum aos humanos porque somos seres que vivemos em sociedade e temos o poder da fala. Se entendêssemos a linguagem dos animais tidos como irracionais, com certeza ouviríamos um falando do outro. Quanta gente, neste exato momento, não está falando de mim ou de você, meu querido leitor? Não estou dizendo que estão falando mal ou bem, mas que simplesmente estão falando. Quantos não estão comentando a vida das “celebridades”?
Parece que nossa língua gosta de trabalhar. Também, é o único músculo voluntário do corpo que não fadiga… É um órgão fantástico e que por isto mesmo deve ser usado com cautela, pois ele é considerado como uma chama que queima ou uma navalha que corta. Muitas tradições só consideram que o homem é dono de si quando adquire controle sobre sua língua. O candomblé não foge a essa regra e tem como um de seus fundamentos o ato de separar e guardar um precioso axé: determinado objeto que simboliza o “segurar da língua”.
Consciente da importância de se ter domínio sobre o órgão responsável pela fala, pois todos nós sabemos o poder que ela possui, muito observei e refleti sobre o referido assunto. Impressionava-me o fato de que os comentários sobre os outros nunca eram referentes aos pontos positivos que eles possuíam. Confesso que algumas conclusões me surpreenderam. Nunca imaginaria que se fala da vida alheia apenas pelo fato de não encontrar na própria vida temas interessantes o suficiente para serem dignos de registro, fazendo com que se busque preencher o vazio da existência com emoções ainda mais vazias. Algumas pessoas vão além: aproveitam-se do dito popular “quem conta um conto aumenta um ponto” e enfeitam a estória com efeitos dramáticos, para que o outro sofra um impacto e o êxtase seja então alcançado.
Certa vez uma filha minha me procurou preocupada por não conseguir guardar segredos. Entendi que ela já tinha conhecimento que controlar a língua é fundamental para qualquer pessoa, principalmente para um sacerdote. Preparei e lhe dei um pó de axé, dizendo-lhe que ele tinha um grande poder e que lhe seria de muita ajuda, mas que seria a força de sua vontade o maior de seus aliados. Meses depois, ela voltou a falar comigo. Mais serena e segura, porém um tanto envergonhada, pediu-me para contar uma parábola que não fazia pertencia a nossa religião. Não sabia ela o grau de curiosidade e interesse de que fui tomada, pois busco aprender com tudo e com todos. Permissão concedida, minha filha começou a relatar a estória:
“Uma senhora que, como eu, minha mãe, estava triste por ter o hábito de fofocar, foi buscar ajuda com um padre. Ela estava arrasada porque um de seus comentários, que lhe pareceu no momento em que falou muito inocente, teve resultados desastrosos. Além de ter espalhado-se como pólvora, constituía-se uma inverdade, que ela ao ficar sabendo não teve o devido cuidado de confirmar sua veracidade. Enfim, ela não cometeu ‘apenas’ o erro da fofoca; ela caluniou e difamou, atos sérios que são passíveis de penalidades judiciais. Mas não era essa sua maior preocupação. Ela realmente estava arrependida de ter prejudicado um ser humano; de ter feito com o outro aquilo que não gostaria que fizessem com ela. A senhora queria saber do padre o que poderia fazer para consertar seu erro. Ele lhe passou uma penitência: que matasse uma galinha, tirasse suas penas e as trouxesse para ele. Quando ela trouxe as penas para o padre, ele mandou que ela fosse até uma montanha, jogasse as penas para o ar e que logo em seguida as recolhesse, uma por uma. A senhora, assustada, respondeu que aquela era uma tarefa impossível. Ao que o padre retrucou: ‘simples’ fofocas ou sérias difamações, assim como essas penas, depois de espalhadas é impossível recolher os malefícios que elas causam. Pense nisso e aprenda a controlar sua língua, para que não lhe digam, em forma de brincadeira, uma coisa que deveria ser vista com extrema seriedade: quando você morrer, seu corpo vai em uma caixa de fósforo e a língua em uma carreta.”
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá. Seu artigo é publicado, quinzenalmente, às quartas-feiras no jornal A TARDE.

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