segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Terreiros de candomblé da BA pedem que filhos-de-santo se declarem ao Censo 2010

A pouco mais de dois meses para o encerramento do Censo 2010, os terreiros de candomblé e umbanda da Bahia intensificaram uma campanha para que seus filhos-de-santo declarem aos pesquisadores serem adeptos dos cultos.

Segundo dados do último censo geral do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado em 2000, apenas 0,49% da população de Salvador (aproximadamente 9.000 pessoas, à época) declarou pertencer a uma religião de matriz africana. Esse número é, proporcionalmente, bem menor que em capitais como Porto Alegre (2,5%) e Rio de Janeiro (1,2%).

“Levando-se em consideração que Salvador é considerada a cidade com o maior contingente negro fora da África, os dados confirmam que o sincretismo religioso no Estado acabou favorecendo, historicamente, religiões majoritárias, como a católica”, observou Joílson Rodrigues, coordenador de informação do IBGE na Bahia.

A campanha que pretende desvendar o real número de adeptos do candomblé e da umbanda na Bahia é feita pela internet, principalmente pelas redes sociais, além de mensagens por telefone, mala direta, contatos pessoais e distribuição de panfletos.

“Faço questão de conversar pessoalmente com meus filhos-de-santo, pedindo que eles não tenham vergonha da nossa indumentária, das nossas músicas, das nossas danças, ao contrário, que sintam orgulho de nossa cultura. Além disso, estou usando a internet e outros meios digitais para divulgar a campanha fora da Bahia”, afirmou o babalorixá Sivanilton Encarnação da Mata, mais conhecido como Babá Pecê de Oxumarê. Líder do terreiro Ilê Axé Oxumarê, fundado no século 19 e um dos mais tradicionais do Brasil, o babalorixá é o coordenador da campanha na Bahia.

No ano passado, o Coletivo de Entidades Negras (CEN) lançou a campanha “Quem é de axé diz que é” para estimular os filhos e filhas-de-santo a divulgarem que são adeptos dessas religiões. Com o início do Censo 2010, os terreiros da Bahia resolveram ampliar a iniciativa. O movimento popular conta com o apoio da Federal Nacional do Culto Afro-Brasileiro e outras associações ligadas à causa da intolerância religiosa.

“Queremos conscientizar o povo-de-santo sobre a importância de assumir a sua identidade religiosa com orgulho e, assim, chamar atenção da sociedade para a necessidade de criação de políticas públicas para nós, adeptos de religiões afro-brasileiras”, disse Marcos Rezende, coordenador-geral do CEN.

Um levantamento feito entre 2006 e 2007, pelas Secretarias Municipais de Reparação (Semur) e da Habitação (SMH), em parceria com o Ceao (Centro de Estudos Afro-Orientais, órgão da Universidade Federal da Bahia), revelou que existem 1.165 terreiros na capital baiana. Contudo, de acordo com estimativas do antropólogo Jocélio Teles, diretor do Ceao e coordenador da pesquisa, esse número é ainda maior. Na Bahia, a Federação do Culto Afro estima a existência de cerca de 4.000 terreiros.

“A campanha dos terreiros é importante porque, depois do Censo, teremos informações mais precisas para caracterizar o povo brasileiro”, acrescentou Joílson Rodrigues.

Fonte: UOL

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Voto em Alaíde do Feijão até para Presidente do Brasil!

Cá estamos nós em momentos de eleições, e claro que estamos todos, de uma forma ou de outra, envolvidos no processo político eleitoral do nosso país.
É justamente também neste momento que a Fundação Palmares teve a brilhante idéia de reparar e democratizar as indicações ao Troféu Palmares. Primeiro indicando somente mulheres, e, diga-se de passagem, cada uma mais poderosa que a outra, e depois abrindo ao público a votação, possibilitando assim que possamos exercitar a nossa cidadania um pouco antes do pleito eleitoral nacional.
São três as categorias do Troféu Palmares: religiosa, cultural e social. Sendo que todas as indicadas são de fazer cair o queixo. Mas, quero exclusivamente me dedicar ao Campo Social.
Na verdade quero fazer uma homenagem, ser cabo eleitoral e pedir votos para Alaíde do Feijão.
Sem nenhum demérito às demais, mas pelo que ela representa para mim. E como tomo partido em vários processos, não poderia me furtar neste caso.
Alaíde do Feijão representa aquela mulher de tempos antigos, a tia da comunidade, dos bairros periféricos. Aquela tia que quando a nossa mãe saia para trabalhar ela lá estava a observar os filhos e perguntar o que ele estava fazendo na rua até tal hora da noite e dar bons conselhos. Sempre alerta, cuidou da juventude negra em épocas que o Estado Brasileiro não reconhecia o que era ser negro.
Esta querida mulher sempre sabia como ser dura e doce, enérgica e amável. Carregada de conhecimento tradicional, e forjada na Faculdade da Vida, do Gueto, do Mundo. Alaíde vendeu muito feijão para sobreviver e para garantir ate hoje a sobrevivência de muitos. Mas não falo de um feijão qualquer, a delícia de saborear o Feijão de Alaíde, não é tão somente pelo sabor, mas pela dignidade, pela batalha, pelos temperos espirituais e sentimentais invisíveis, mas atávico à nossa tradição. Pelo bate papo gostoso e aprendizado passado a cada garfada.
Na verdade o sue feijão não alimenta o nosso corpo, mas a nossa alma e a cada dedo de prosa, temos a mais completa certeza de que apesar de tudo, vale a pena viver e pedir a benção a cada momento que Alaíde dá um conselho.
Alaíde é uma ilustre filha da Ilha de Itaparica e conhece o Movimento Negro Baiano mais do que qualquer tese de doutor da academia formal. Ela lê nas entrelinhas, e mais do que isto, posso afirmar, que todo militante negro baiano ao passar por momentos de dificuldade nas suas batalhas diárias foi lá naquele cantinho aconchegante do Pelourinho onde está instalado o Feijão da Alaide, se reconfortar em uma mesinha onde Alaide fica sentada como a esperar para dar consultas com um cuidado e responsabilidade ancestral. Lá diariamente está sentada Alaíde do Feijão, e na sua panela do saber está a receita dos conselhos de mestra, de mãe, de tia de comunidade, de egbomy do Axé.
Alaíde é minha mestra, e este texto pode não garantir um único voto, pode até não ser lido, ou ser tratado de forma descartável frente a minha mediocridade. Mas tem um significado muito especial para mim. Significa dizer para o mundo que Alaíde é minha mãe. A Mãe Preta que cuida, que zela, que passa a mão no telefone para saber como eu estou, por que sumi, o que estou fazendo, para me confortar. Para, através destes gestos me mostrar que a vida é dura, mas que ela ainda é capaz, e muitíssimo capaz de amar e me ensinar a amar e manter a chama viva. E que no final de cada batalha posso ir lá e ela estará pronta e a postos para cuidar das minhas feridas e fazer cicatrizar as dores da alma. Não em postura passiva, mas na sabedoria de quem me mandou para a o campo de batalha, e eu sei muito bem quem comanda a frente.
Este texto é tão somente para dizer e declarar ao mundo a minha querência por Alaíde do Feijão, e principalmente agradecer por tudo!
Alaíde, eu voto em ti com toda a certeza para 3 coisas: ser premiada pela Fundação Cultural Palmares, ser Presidente do Brasil e com mais certeza ainda para ocupar a cadeira do Conselho de Segurança da ONU, pois já te vejo lá, sentada naquele cantinho, dando bons conselhos para o mundo se manter em paz, e quando perguntarem a você como está a sua vida, sei que irá desconversar, como a querer dizer a vida é dura, mas é a que se tem e a que devemos amar e tocar como uma grande orquestra afro. A nos mostrar que a sua passagem por aqui é para se doar, e doar, doar, doar. Ensinando-nos sempre que o amor não tem limites e que apesar de cada não, de cada dor que nos invade somos nós a alegria da cidade.
Alaíde, simplesmente te amo e obrigado por me transformar em alguém melhor para o mundo e mundo muito melhor para mim e muitos outros que podem ate não te conhecer, mas que desfrutam da sua boa energia.

Marcos Rezende.
Ogã de Ewá do Ilê Axé Oxumarê
Coordenador Geral do CEN

sábado, 7 de agosto de 2010

Arcebispo e as ovelhas negras

Em A TARDE do dia 2 de agosto vi a notícia da queda do comando da Polícia Militar. Como ativista da questão racial,procurei saber se houve alguma manifestação da campanha “Reaja ou será morto”, do MNU, CEN, Atitude Quilombola, Unegro, Círculo Palmarino, ou se ocorreu uma nova chacina que ceifa a vida de jovens negros todos os dias.

Mas o maior susto veio ao ler que no dia anterior,a pedido do cardeal arcebispo de Salvador, Dom Geraldo Majella, aconteceu o ato de “Um dia pela paz”. Ou seja, por mais que as famílias do Bairro da Paz tivessem parado a Paralela, que a comunidade do Pelaporco tivesse queimado um ônibus, que no monumento a Mãe Runhó, no Engenho Velho,tivessem colocado uma faixa pedindo paz, e que veículos de comunicação importantes como a Carta Capital e a Al-Jazeera transformassem estas denúncias em notícias,bastou a Igreja Católica se mostrar incomodada para acontecer mudanças na cúpula da Polícia Militar (PM).

Interessante é que na semana passada em um evento do Nafro/PM (Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar do Estado da Bahia) a PM foi homenageada juntamente com algumas outras instituições. Eu fui uma das pessoas que receberam a premiação e,para espanto de todos,fugi ao script,pedindo a palavra.

Falei do extermínio da juventude negra e da importância de fazer uma força-tarefa para conter as mortes. O então comandante-geral da PM,coronel Santana,confraternizou- se comigo e garantiu somar esforços para cuidar da questão. Não deu tempo. O comandante caiu,mas o genocídio continua.

Fica a lição de que não é arrancando fardas de policiais que também são vítimas de um sistema capitalista patrimonialista e mudando o comando da PM que resolveremos a questão da violência. Tampouco instalando câmeras do Programa Big Brother Bairro, conforme propôs um candidato no debate para prefeito. Necessário é ter coragem de transformar a política de segurança pública em uma política em defesa da vida, dos direitos humanos e voltada à comunidade periférica, assim como garantir a melhoria da qualidade de vida para os policiais,que por serem negros são tratados como tal.

Enfim, quando vejo a foto de um candidato a prefeito evangélico fugindo de um terreiro de candomblé tal qual o diabo foge da cruz, a lembrança do Nafro homenageando o coronel Santana e pedindo para os orixás o protegerem uma semana antes de ele perder o cargo,e o arcebispo pedindo mudanças pela paz e sendo ouvido pelo homem branco dos olhos azuis que não está pregado na cruz, fico a perguntar: não seria melhor nós, as ovelhas negras, conversarmos com o bispo e o transformarmos em nosso representante para evitar que se derrame o sangue negro desta cidade? Assim, quem sabe, nós, negros, poderíamos ser ouvidos e respeitados.


Marcos Rezende.

Publicado em 07/08/2008 (1º Caderno)
Jornal A Tarde / Salvador, Bahia


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...