sábado, 7 de agosto de 2010

Arcebispo e as ovelhas negras

Em A TARDE do dia 2 de agosto vi a notícia da queda do comando da Polícia Militar. Como ativista da questão racial,procurei saber se houve alguma manifestação da campanha “Reaja ou será morto”, do MNU, CEN, Atitude Quilombola, Unegro, Círculo Palmarino, ou se ocorreu uma nova chacina que ceifa a vida de jovens negros todos os dias.

Mas o maior susto veio ao ler que no dia anterior,a pedido do cardeal arcebispo de Salvador, Dom Geraldo Majella, aconteceu o ato de “Um dia pela paz”. Ou seja, por mais que as famílias do Bairro da Paz tivessem parado a Paralela, que a comunidade do Pelaporco tivesse queimado um ônibus, que no monumento a Mãe Runhó, no Engenho Velho,tivessem colocado uma faixa pedindo paz, e que veículos de comunicação importantes como a Carta Capital e a Al-Jazeera transformassem estas denúncias em notícias,bastou a Igreja Católica se mostrar incomodada para acontecer mudanças na cúpula da Polícia Militar (PM).

Interessante é que na semana passada em um evento do Nafro/PM (Núcleo de Religiões de Matriz Africana da Polícia Militar do Estado da Bahia) a PM foi homenageada juntamente com algumas outras instituições. Eu fui uma das pessoas que receberam a premiação e,para espanto de todos,fugi ao script,pedindo a palavra.

Falei do extermínio da juventude negra e da importância de fazer uma força-tarefa para conter as mortes. O então comandante-geral da PM,coronel Santana,confraternizou- se comigo e garantiu somar esforços para cuidar da questão. Não deu tempo. O comandante caiu,mas o genocídio continua.

Fica a lição de que não é arrancando fardas de policiais que também são vítimas de um sistema capitalista patrimonialista e mudando o comando da PM que resolveremos a questão da violência. Tampouco instalando câmeras do Programa Big Brother Bairro, conforme propôs um candidato no debate para prefeito. Necessário é ter coragem de transformar a política de segurança pública em uma política em defesa da vida, dos direitos humanos e voltada à comunidade periférica, assim como garantir a melhoria da qualidade de vida para os policiais,que por serem negros são tratados como tal.

Enfim, quando vejo a foto de um candidato a prefeito evangélico fugindo de um terreiro de candomblé tal qual o diabo foge da cruz, a lembrança do Nafro homenageando o coronel Santana e pedindo para os orixás o protegerem uma semana antes de ele perder o cargo,e o arcebispo pedindo mudanças pela paz e sendo ouvido pelo homem branco dos olhos azuis que não está pregado na cruz, fico a perguntar: não seria melhor nós, as ovelhas negras, conversarmos com o bispo e o transformarmos em nosso representante para evitar que se derrame o sangue negro desta cidade? Assim, quem sabe, nós, negros, poderíamos ser ouvidos e respeitados.


Marcos Rezende.

Publicado em 07/08/2008 (1º Caderno)
Jornal A Tarde / Salvador, Bahia


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