quarta-feira, 30 de junho de 2010

Movimentos sociais protestam e ocupam Brasília

Militantes de diversos movimentos sociais pretendem ocupar a capital brasileira, hoje (dia 30/06), para exigir do presidente Lula o veto ao Estatuto da Igualdade Racial. Fruto de luta das organizações vinculadas à causa negra, o Estatuto chega para sanção presidencial com o conteúdo esvaziado, frustrando expectativas e provocando forte reação de lideranças históricas, que consideram o texto resultante do acordo um grave retrocesso no combate à discriminação racial.
O Estatuto da Igualdade Racial entrou no Senado Federal com propostas estruturantes, como a criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e dispositivos concretos, como o sistema de cotas. No processo de negociação com lideranças político-partidárias, porém, muitas das ações afirmativas foram retiradas, provocando uma onda de protestos pelo País e desencadeando a mobilização nacional contra a última versão da lei.
TEXTO “PÁLIDO” – Além de não contemplar algumas das reivindicações mais importantes dos movimentos sociais vinculados à causa negra, o texto negociado também empalidece o aspecto político, ao suprimir trechos que, para o coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), Marcos Rezende, apontavam para o reconhecimento do racismo – passo decisivo para seu devido enfrentamento.
“O fato de não existir raça não anula a crença em sua existência. Foi a crença na superioridade de uma etnia sobre outra que legitimou atrocidades contra os negros, ao longo dos séculos. E essa crença chama-se racismo. Negá-la é tentar apagar o que não se pode apagar, principalmente porque não é coisa do passado. O racismo é uma herança viva, que continua a promover o genocídio contra o nosso povo”, pontua o líder comunitário.
É principalmente por temer o futuro da luta contra o racismo que as lideranças das organizações do Movimento Negro querem interditar a versão da lei que está para ser sancionada. No entendimento do ex-senador Abdias do Nascimento, ícone do combate à discriminação racial no Brasil, o Estatuto, ao contrário do que alguns acreditam, não servirá de base para a continuidade do processo. Pelo contrário. Irá dificultá-lo, constituindo-se mesmo em “disfarce” para a manutenção desse tipo de opressão.
Reação idêntica teve Reginaldo Bispo, coordenador nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), para quem “a aprovação do malfadado Estatuto, por si só, é um retrocesso em relação aos avanços do nosso povo nos últimos quarenta anos”, pontuando que o texto foi pouco e mal discutido pelas organizações do Movimento Negro brasileiro. “A maioria das pessoas negras, em especial a militância, não conhece nenhum dos textos, que foram vários, que circularam até agora”, alerta.
O coordenador nacional do MNU explica que o projeto do acordo feito no Senado Federal tem origem no texto aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2009, o qual já havia sido bastante modificado. “Foram quatro ou cinco alterações, e quando o texto foi para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, tornou a ser modificado pelo relator, que é o presidente da comissão, ou seja, o senador ruralista, de direita, do DEM, Demóstenes Torres”.
O “corte-recorte”, segundo Bispo, desfigurou o Estatuto, suprimindo pontos considerados cruciais, como as cotas para negros nas universidades, nos partidos e no serviço públicos, e a defesa e o direito à liberdade de prática das religiões de matriz africana. Ele denuncia, ainda, a ausência de posicionamento sobre a proteção da juventude negra, “que sofre verdadeiro genocídio por parte das polícias militares”, e a não caracterização do escravismo e do racismo como crimes de lesa-humanidade.

CONVOCATÓRIA – Na convocatória para o ato em Brasília, as lideranças denunciam, em uníssono a ameaça aos “direitos étnicos constituídos nos acordos internacionais de combate ao racismo e todas as formas de discriminação, xenofobia e intolerâncias correlatas”, e alertam que, caso sancionado, o Estatuto significará “a repetição do acordo oferecido pelo Estado brasileiro a Ganga Zumba [...], que propunha a trégua e a paz em nome da destruição do Quilombo de Palmares”.
E entre os direitos duplamente ameaçados estão os dos quilombolas, cuja garantia de titulação de terras foi retirada do Estatuto, estando em vias de ser atingida também pela “Ação Direta de Inconstitucionalidade”, impetrada pelo DEM, por influência da União Democrática Ruralista (UDR). Trata-se da ADI 3239, que visa modificar o decreto 4887/2003, referente à regularização dos territórios dos descendentes de escravos negros refugiados, e encontra-se no Supremo Tribunal Federal (STF), para aprovação.
O coordenador da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, Damião Braga, explica que este processo não está descolado do posicionamento pelo veto de Lula ao Estatuto, “pois todos os processos constituídos como foco de nossa resistência foram impetrados pelo DEM. O que estamos questionando é se o Governo Lula estará de acordo com as imposições do poder dos escravocratas e ruralistas a serviço do agronegócio em nosso País”.
Foi também o DEM que ajuizou a “Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental” (ADPF) de número 186, que investe contra as cotas para negros nas universidades públicas – igualmente riscadas do texto. “Querem negar que a cor da pele condiciona o acesso a determinadas posições, ignorando dados como os do IBGE, que demonstra que universitários negros em Salvador, por exemplo, não conseguem remuneração equivalente à dos brancos com a mesma formação”, argumenta Rezende.
“Temos o entendimento de que todos os direitos que o DEM tenta desesperadamente nos retirar são aqueles que efetivamente darão poder ao povo negro, ou seja, terras, cotas e direito indenizatório”, analisa o combativo Damião Braga, que é também vice-presidente da Associação Quilombola do Estado do Rio de Janeiro (AQUILERJ) e membro da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Quilombolas (CONAQ).


JUSTIÇA – Os militantes ressaltam os avanços alcançados durante o governo Lula, com a efetivação de políticas “importantes de emancipação e justiça social, como o Programa Luz para Todos”, que chegou às comunidades quilombolas, e os programas habitacionais, “que estão chegando ao campo e à cidade e, sobretudo, na cidade, atendendo à população negra”. Mas querem que o chefe do Poder Executivo do Brasil se posicione em relação ao que consideram um “retrocesso” no âmbito de tais políticas.
Para tanto, estão solicitando uma audiência com o presidente da República, já tendo sido reservado o auditório Nereu Ramos (anexo da Câmara dos Deputados, em Brasília). A articulação pela retirada de pauta do Estatuto no Senado Federal já mobilizou mais de duzentas organizações do movimento social brasileiro, e a expectativa é de que pelo menos quatrocentas pessoas participem do ato no Distrito Federal, estando confirmada a presença de militantes dos movimentos Sindical, dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e pela Reforma Urbana (MNRU).


COORDENAÇÃO – A ação articulada e contundente de defesa dos interesses das populações marginalizadas é iniciativa da Assembléia Negra e Popular e da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, sob coordenação do Movimento Negro Unificado (MNU), do Coletivo de Entidades Negras (CEN), do Círculo Palmarino, do Fórum Nacional de Juventude Negra (FOJUNE) e da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Quilombolas (CONAQ).
E confronta posições como as da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), responsável pelo acordo, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que o apóia. Na convocatória, as lideranças resgatam trecho de um dos discursos de Carlos Spis, da CUT (“...queremos consolidar as mudanças dos últimos anos, ampliar as conquistas, avançar nas mudanças que ainda faltam e impedir qualquer retrocesso”), para questionar: “Essa fala referenda a luta negra também?”.


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SERVIÇO
O QUÊ: Mobilização pelo veto de Lula ao Estatuto aprovado no Senado e pelo indeferimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) número 3239, do DEM, contra o decreto 4887, do Supremo Tribunal Federal (STF), que regulariza os territórios quilombolas.
QUANDO: Dia 30/06/10, às 14 horas.
ONDE: Auditório Nereu Ramos, localizado no Anexo II da Câmara dos Deputados, Brasília (DF).
CONCENTRAÇÃO ÀS 10 HORAS, EM FRENTE AO PRÉDIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


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CONTATOS
Marcos Rezende
marcosrezende100@gmail.com
(71) 8835-4792
(71) 9267-6383
Consuelo Gonçalves
consu2009@hotmail.it
(71) 3334-6170
(71) 9962-0313


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A voz de algumas das mais expressivas lideranças do País
A aprovação do malfadado Estatuto, por si só, é um retrocesso em relação aos avanços do nosso povo nos últimos quarenta anos” (Reginaldo Bispo, coordenador nacional do MNU).
[...] todos os direitos que o DEM tenta desesperadamente nos retirar são aqueles que efetivamente darão poder ao povo negro” (Damião Braga, coordenador da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas).
É a continuidade do racismo [...]. Essas leis, esses disfarces para não chamar o Brasil de racista continuam” (Abdias do Nascimento, um dos ícones do movimento negro brasileiro).
Da forma que está dificulta a nossa luta. Eles vão jogar na nossa cara que já temos um Estatuto” (Reginaldo Bispo, coordenador nacional do MNU).
[...] Vejo como um Estatuto desidratado” (Damião Feliciano, deputado federal, PDT-PB).
As cotas nas universidades seriam o mínimo...” (Antônio Cortês, advogado dos direitos do negro).
Foi como se apunhalasse pelas costas toda a luta do movimento negro” (Letícia Lemos da Silva coordenadora-adjunta da Maria Mulher - Organização de Mulheres Negras).
O fato de não existir raça não anula a crença em sua existência [...] e essa crença chama-se racismo” (Marcos Rezende, coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras).


Fonte: http://www.acaoilheus.org/news/2237-movimentos-sociais-protestam-e-ocupam-brasilia

quinta-feira, 4 de março de 2010

Prefeito descarta se retratar por terreiro demolido

O prefeito João Henrique recusou-se ontem a fazer qualquer retratação pública sobre a demolição do terreiro Oyá Unipó Neto, realizada por agentes da Superintendência de Manutenção, Conservação e Uso do Solo (Sucom). Desde a noite de sexta-feira, o coordenador geral do Coletivo de Entidades Negras, Marcos Rezende, diz estar em greve de fome para obrigá-lo a pedir desculpas aos adeptos do candomblé. A reconstrução da casa de candomblé, no Imbuí, garantida pela prefeitura, ainda não tem data para iniciar.

“Da parte da prefeitura nós fizemos tudo o que foi possível. Nós já reparamos os excessos cometidos pelo fiscal da Sucom que cumpriu a ordem de demolição. Não vejo necessidade de fazermos uma retratação”, declarou à tarde João Henrique, que é evangélico. Ele falou sobre o assunto após cerimônia de posses do secretário de Educação, Carlos Soares, e do novo superintendente da Sucom, Cláudio Silva, e do presidente do IPS, Ricarte Passos, no Palácio Thomé de Souza.

O prefeito, através do secretário de Comunicação, André Curvello, já havia dito que nenhum outro templo de religioso seria demolido na cidade. Exonerada da Sucom, mas ainda à frente da Secretaria de Planejamento, a qual a Sucom é subordinada, Kátia Carmelo engrossou o coro contrário a um pedido de desculpas do chefe do executivo municipal. “A decisão do órgão foi respaldada pelos processos fiscais do órgão”.

Não é esta a opinião de Rezende e outros representantes de entidades ligadas ao culto afro, a exemplo da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA). “Não adianta apenas prometer a ressarcir o prejuízo material. João Henrique tem que se dar conta da gravidade do erro da prefeitura e se retratar pessoalmente, e não através de intermediários”, disse Resende.

Ele dorme no Unipó Neto desde a sexta-feira à noite, quando diz ter iniciado o jejum. No período diz ter ingerido apenas água, soro, e acaçá - pequeno alimento feito a partir do milho, considerado adeptos do candomblé. “Tem a mesma importância do que a hóstia para os católicos”.

Filho de Xangô, Marcos Rezende freqüenta o terreiro Ilê Axé Oxumarê, no Engenho Velho da Federação. Antes de ser levado para depôr no Ministério Público Estadual (MPE), que apura o caso, ele foi medicado por uma equipe do Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu), no início da tarde. “É preciso que a prefeitura inclua o Unipó Neto no programa de regularização fundiária, para evitar que depois de erguido, o terreiro venha a ser destruído novamente”.


Notícias originalmente publicado em 4 de março de 2008 | Correio da Bahia


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Começando pelo início...

Ó Exu
ao bruxoleio das velas
vejo-te comer a própria mãe
vertendo o sangue negro
que a teu sangue branco 
enegrece
ao sangue vermelho
aquece
nas veias humanas
no corrimento menstrual
à encruzilhada dos
teus três sangues
deposito este ebó
preparado para ti


Tu me ofereces?
não recuso provar do teu mel
cheirando meia-noite de 
marafo forte
sangue branco espumante 
das delgadas palmeiras
bebo em teu alguidar de prata
onde ainda frescos bóiam
o sêmen a saliva a seiva
sobre o negro sangue que circula
no âmago do ferro
e explode em ilu azul


Ó Exu-Yangui
príncipe do universo e 
último a nascer
receba estas aves e 
os bichos de patas que
trouxe para satisfazer 
tua voracidade ritual
fume destes charutos
vindos da africana Bahia
esta flauta de Pixinguinha
é para que possas chorar
chorinhos aos nossos ancestrais
espero que estas oferendas 
agradem teu coração e 
alegrem teu paladar
um coração alegre é
um estômago satisfeito e
no contentamento de ambos
está a melhor predisposição 
para o cumprimento das 
leis da retribuição
asseguradoras da
harmonia cósmica


Invocando estas leis 
imploro-te Exu
plantares na minha boca
o teu axé verbal
restituindo-me a língua
que era minha 
e ma roubaram
sopre Exu teu hálito
no fundo da minha garganta
lá onde brota o 
botão da voz para
que o botão desabroche
se abrindo na flor do
meu falar antigo
por tua força devolvido
monta-me no axé das palavras
prenhas do teu fundamento dinâmico
e cavalgarei o infinito
sobrenatural do orum
percorrerei as distâncias
do nosso aiyê feito de
terra incerta e perigosa


Fecha o meu corpo aos perigos
transporta-me nas asas da 
tua mobilidade expansiva
cresça-me à tua linhagem
de ironia preventiva
à minha indomável paixão
amadureça-me à tua 
desabusada linguagem
escandalizemos os puritanos
desmascaremos os hipócritas
filhos da puta
assim à catarse das 
impurezas culturais
exorcizaremos a domesticação
do gesto e outras
impostas a nosso povo negro


Teu punho sou
Exu-Pelintra
quando desdenhando a polícia
defendes os indefesos
vítimas dos crimes do
esquadrão da morte 
punhal traiçoeiro da 
mão branca
somos assassinados
porque nos julgam órfãos
desrespeitam nossa humanidade
ignorando que somos 
os homens negros
as mulheres negras
orgulhosos filhos e filhas do
Senhor do Orum
Olorum
Pai nosso e teu
Exu 
de quem és o fruto alado
da comunicação e da mensagem


Ó Exu
uno e onipresente
em todos nós
na tua carne retalhada
espalhada por este mundo e o outro
faça chegar ao Pai a
notícia da nossa devoção
o retrato de nossas mãos calosas
vazias da justa retribuição
transbordantes de lágrimas
diga ao Pai que nunca
no trabalho descansamos
esse contínuo fazer 
de proibido lazer
encheu o cofre dos exploradores
à mais valia do nosso suor
recebemos nossa
menos valia humana
na sociedade deles
nossos estômagos roncam de
fome e revolta nas cozinhas alheias
nas prisões
nos prostíbulos
exiba ao Pai
nossos corações
feridos de angústia
nossas costas chicoteadas
ontem
no pelourinho da escravidão
hoje 
no pelourinho da discriminação


Exu 
tu que és o senhor dos 
caminhos da libertação do teu povo
sabes daqueles que empunharam
teus ferros em brasa
contra a injustiça e a opressão
Zumbi Luiza Mahin Luiz Gama
Cosme Isidoro João Cândido
sabes que em cada coração de negro
há um quilombo pulsando
em cada barraco
outro palmares crepita
os fogos de Xangô iluminando nossa luta
atual e passada


Ofereço-te Exu
o ebó das minhas palavras
neste padê que te consagra
não eu
porém os meus e teus
irmãos e irmãs em
Olorum
nosso Pai
que está 
no Orum



Laroiê!


Búfalo, 2 de fevereiro de 1981


PADÊ DE EXU LIBERTADOR
Abdias Nascimento


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