A demolição do Oyá Onipó Neto em Salvador no dia 27 de fevereiro de 2008 deixou profundas marcas nas comunidades de terreiros de todo o Brasil. O fato em si causou muita comoção e também a unidade nacional entre religiosos de matrizes africanas.
O fato teve do Coletivo de Entidades Negras (CEN) uma atenção especial sendo que devido a gravidade dos fatos, fiz greve de fome durante quase uma semana em protesto à ação arbitrária ocasionada por prepostos da prefeitura de Salvador.
Ainda em meio à comoção geral e a Audiência Pública na Assembléia Legislativa solicitada pela Comissão especial de Promoção da Igualdade (CEPI), foi criada uma frente em defesa do Terreiro e algumas exigências foram postas. Sendo elas abaixo enumeradas:
1. Pedido de desculpas formal do Prefeito de Salvador e a garantia de que atos como aquele não mais aconteceria com qualquer outro templo religioso de Salvador de qualquer religião que fosse;
2. Reforma do Terreiro Oyá Onipó Neto e a garantia da permanência do mesmo no local;
3. Encaminhamento de um Projeto de Lei a Câmara de Vereadores que garantisse a Regularização fundiária de todos os terreiros de Salvador;
As duas primeiras exigências foram cumpridas quase que de maneira imediata, apesar da certeza de que o prejuízo religioso nunca foi e não será reparado, mas a referente à Regularização Fundiária dos Terreiros de Candomblé foi encaminhada para Câmara de Vereadores através de um Projeto de Lei para apreciação dos vereadores para alteração da Lei Orgânica do Município.
A proposta inicial de emenda a Lei Orgânica que foi enviada à Casa Legislativa pelo Poder Executivo desapareceu e após denúncias a mesma voltou à pauta. O projeto inicial previa originalmente a regularização fundiária apenas para os terrenos ocupados por terreiros de candomblé, mas os vereadores da bancada evangélica pressionaram para que o projeto fosse alterado, de modo a beneficiar também outras denominações religiosas, o que inicialmente gerou resistência por parte dos religiosos de matrizes africanas, haja visto que temos a especificidade de todo o tipo de perseguição religiosa na nossa história, mas como lutamos contra todo e qualquer tipo de intolerância religiosa, por fim acatamos a resolução, apesar de pontuarmos o princípio de reciprocidade.
Salientamos que o projeto de regularização fundiária dos terreiros foi concebido a partir da luta do CEN e de outras entidades do movimento social negro como forma de REPARAÇÂO aos estragos causados a todos os religiosos de matrizes africanas através da demolição do Oyá Onipo Neto e como forma de minimizar o impacto negativo produzido pela atitude intempestiva da ex-secretária municipal de Planejamento, Kátia Carmelo, que comandou a derrubada do templo da Boca do Rio, num ato de intolerância religiosa que repercutiu em todo o país.
O texto de nº 01/09 que altera o art. 14 da Lei Orgânica do Município estendeu os benefícios relacionados à regularização fundiária dos terreiros a outras religiões. Além disso, determina que os terreiros terão que se adequar ao que manda a Lei 7216/07 (que trata do Patrimônio Histórico e Cultural Africano e Afro-brasileiro) para ter acesso ao benefício gerando assim um efeito contrário aos religiosos de matrizes africanas, uma vez que nós, religiosos de matrizes africanas construímos todo este processo e ainda assim somos os únicos a ter que dar provas quanto a nossa pertença religiosa para sermos contemplados, garantia esta que nenhuma outra denominação necessitará dar.
Após muito trololó no dia 21 de dezembro de 2009 foi aprovado em primeira instância na Câmara Municipal o projeto de regularização fundiária dos templos religiosos ficando a votação em segundo turno para ser apreciada no início deste ano, fato este que não aconteceu. Sendo que somente agora, no dia 17 de novembro, próximo a data comemorativa do Dia da Consciência Negra (20 de novembro) é que foi votado em segundo turno e aprovado por unanimidade o Projeto de Regularização Fundiária dos Templos Religiosos.
Os benefícios desta Lei para os Terreiros de Candomblé esta no fato de um avanço significativo na luta do povo de santo.
A regularização fundiária concede o título de posse aos proprietários de todos os templos religiosos de Salvador que ainda não o possuem, estima-se, no que diz respeito aos terreiros de candomblé, um total aproximado de 480 templos, e conseqüentemente garante a isenção de impostos e finalmente a certeza de que atos de intolerância religiosa como o do Oyá Onipó Neto não mais acontecerão iniciando assim um novo momento na história de conquistas dos religiosos de matrizes africanas.
Nós, religiosos de matrizes africanas da cidade de Salvador e com o auxílio dos candomblecistas de todo o Brasil e de outros países do mundo marcamos mais uma vez o nosso nome nas lutas políticas da cidade e de quebra trouxemos benefícios para todas as demais religiões. Cabe agora perguntar a eles quais são as disposições para construir processos baseados em respeito à diversidade religiosa e de parceria na busca cotidiana de um mundo melhor, o que certamente é o desejo de toda e qualquer religião seguindo qualquer que seja o princípio fundamental da criação.
Marcos Rezende
Coordenador Geral do CEN
Ogan confirmado para Ewá do Ilê Axé Oxumarê e Historiador
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